terça-feira, 17 de maio de 2016

REGISTRO DO ESPETÁCULO PÓLO MARGINAL OPERETA DE RUA
GRUPO TEATRO DE RUA LOUCOS E OPRIMIDOS DA MACIEL

Uma Nau poética de possíveis corpos palavras

O trabalho encontrava-se em circulação pela Região Metropolitana do Recife, é uma montagem do Grupo de Teatro de Rua Loucos e Oprimidos da Maciel, grupo que surgiu em 2007 como iniciativa de diversos artistas que freqüentavam a Pça. Maciel Pinheiro, no centro do recife e tem na figura do ator e diretor Carlos Salles (já falecido) seu principal líder.

Final de tarde na histórica Olinda - Praça do Carmo; a roda já se encontrava formada, e mesmo que a narrativa do espetáculo ainda não houvesse começado sua espetacularidade já se iniciava nos apresentando de cara uma das singularedades do Teatro de Rua, ele desnuda, dissolvendo coxias, camarim, banheiro, corredores, em fim ele escancara o inicio da ação cênica para o público.
Com esse cenário me deparei, atores maquiando-se, se vestido, conversando, encontrando-se com o momento. O que se seguiu então foi o espetáculo acontecendo antes do espetáculo, esse é um caminho importante para a montagem, pois constrói de antemão uma relação de cumplicidade com a roda. Nesse sentido, é importante apontar que nem todos os atores se entregam da mesma forma a esse momento inicial do espetáculo, que remete a própria estética dos artistas de rua quando vão estabelecer suas rodas. Uma herança trazida de muitos séculos, gestada nos artistas de feira como cita Robson Camargo Correia no artigo A pantomima e o teatro de feira na formação do espetáculo teatral: o texto espetacular e o palimpsesto. “Este tipo de espetáculo originado nas feiras, dentro do espírito comercial do deixa fazer, deixa passar, não buscava uma forma pura, ao contrário, propunha a mistura de gêneros ou um gênero das misturas, de épocas, de tons, com audácia de linguagem, transgressão calculada, utilizando a irreverência cotidiana (...).”
Nessa espécie de preparação da roda, alguns atores falaram sobre política, cultura, cachaça, praça, vendedores, uma variada relação de trocas com o público, ou seja, já era o espetáculo acontecendo, antes de começar, será isso possível? Antes de iniciar a apresentação o ator e assistente de direção Rodrigo Torres, mais uma vez trás uma marca da estética dos artistas de rua, ele também demarca a roda derramando cachaça. Muitos rueiros de grandes centros urbanos, que cotidianamente estão nos espaços públicos para o desempenho de suas praças e rodadas de chapéu, utilizam desse código para definir sua roda, utilizando muitas vezes água, querosene, fogo, corda, etc. No Pólo Marginal a cachaça é bem representativa da história de vida do poeta que inspira o espetáculo, em sua vida boemia pelas ruas do Recife.
Pólo Marginal apresenta duas contextualizações, antes e depois do quadro Mete Bronca. Cena do espetáculo que ocorre aproximadamente no meio e onde o público é convidado a participar, falando, discursando, recitando, cantando. Momento do público falar o que pensa e senti.
Pois bem, o espetáculo antes desse quadro metamorfoseia a imagem de uma nau de piratas em viagem, se materializam na cena, com as músicas e poesias, a areia, o vento, o mar, a viagem, liberdade e o caminho. O que estariam esses piratas a procurar? O que querem conquistar? Em um dos momentos eles entoam “era o barba negra com a sua turma e suas canções” letra da banda pernambucana Ave Sangria, que inspira a dramaturgia. Ou seja, uma turma de seres marítimos em um barco poético, caminhando, viajando, cantando, dançando, fugindo quem sabe? O coro que os atores formam, com corpos e vozes tenta trazer essas atmosferas para a narrativa, misturando um pouco do universo da oralidade dos contadores de histórias, pois são os piratas assim como os pescadores exímios contadores de histórias?
O cenário do espetáculo compõe-se de banquinhos em madeira que ajudam a circunscrever a roda, ao fundo os dois músicos Celso José e Walgrene Agra e os figurinos que serão trocados no decorrer da cena. O que chama a atenção é ao centro o uso de um pequeno praticável meio arredondado em forma de escada, esse é um dos elementos do cenário mais representativo, desta nau de piratas, pois os atores se revessam na utilizam deste, onde o ator em destaque costuma utiliza-lo para o plano mais alto, e aí reside essa conexão com uma nau, aos meus sentidos este material de cena seria a popa, local onde se guia o leme da embarcação, lugar de vislumbrar o mar mais do alto.


Na dramaturgia o poeta é um pirata, ele busca, cria, rouba, descobre, enterra para depois descobrir de novo. A opereta de rua compõe a imagem desse poeta pirata, marginal e solitário em sua paradoxal viagem em bando. Nesse sentido, se instaura para o grupo um desafio, como experimentar a poesia de Marco Polo no corpo dos atores, já que a montagem exige que eles ultrapassem a palavra dita e escrita para criar outras palavras, criar talvez um corpo-palavra, alguns atores conseguem ancorar nesse porto de descobertas. Contudo, percebe-se que quando essa viagem a outras corporeidades não acontece, se estabelece uma linearidade na atuação, que pode gerar certo cansaço ao vermos algumas poesias sendo vividas corporalmente e poeticamente sempre com a mesma forma. Mesmo existindo uma tentativa de desorganizar isso, com as marcações e coreografias, contudo ainda pode ser insuficiente.
Um dos exemplos mais importantes na encenação que trazem esse corpo-palavra em ação é a cena entre os três piratas, que parecem estão em luta, talvez mais que luta, são corpos que estão em jogo; onde a métrica, os versos, as palavras, não adormecem somente no dito, mas acordam e gritam no corpo dos três piratas. E isso coincide inclusive com o fragmento final da cena: “- O corpo é a caligrafia da morte”. É na morte que esse corpo se inscreve, é na morte que o corpo se rebusca, é na morte que o pirata poeta surgi, mais vivo que nunca.
No decorrer dessa morte, algumas maquiagens vão derretendo nos rostos dos atores, gerando outras máscaras, diferentes imagens imperfeitas da imagem inicial; Começam a aparecer sujeitos marcados, fantasmas de si mesmos. É importante esse deixar desmanchar, manchar, a viagem de um pirata é uma trajetória de descoberta.
Contudo toda viagem um dia chega, talvez não a um destino final, mas em algum lugar. A segunda parte do espetáculo é a chegada desse poeta pirata, o barco ancora, encontrando rastros; esses sujeitos desterrados descobrem um mundo de mendigos, rios de merda, precisões de igreja, crucificados, julgados e julgadores, luxo, riqueza, pobreza, sexo e expansão. Então, é melhor não acordar Lazáro! Essa mudança é marcada além da dramaturgia, pela mudança de figurinos, os piratas agora sem camisas, com longos saiões, colares e lenços na cabeça. Nas cenas anteriores usavam sobretudos, casacos e bermudões.
Marco Polo adentra nas vísceras da cidade, olha poeticamente todas suas sutilezas, mais ainda é o mar, areia e a praia seu último refugio. É assim que o poeta percebe ser um marginal, pois nem é mais nau que o leva indefinidamente a lugares, dentro dele mesmo, nem é cidade que lhe habita como fantasmas, atração, sentidos e cheiros. Talvez ele seja os dois...
A opereta se traduz nas músicas, sons, dança, é uma opereta construída em um universo estético próprio do grupo, uma opereta dos marginais, poetas, bêbados, cantadores, mulheres e homens em viagem, como não ser diferente sendo está uma opereta de rua, preenchendo- se de alguns sentidos da rua. Os músicos, magistralmente auxiliam os atores na tarefa de fazer ecoar essa nau e esse bando, nessa busca de chegar e sair de diferentes portos, de diferentes rodas.





RAQUEL FRANCO


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Espetáculo Apresentado durante 09° festival de Teatro de Rua do Recife e 32° Escambo Popular Livre de Rua
no dia 13 de novembro de 2011 no Alto Zé do Pinho, Recife-PE

O Boi as Avessas – Grupo Arteiros (Olinda –Pe)
Fotos Lulinha

Estávamos todos vindo em cortejo, cantando, brincando, estabelecendo um olho a olho com a comunidade do Alto Zé do Pinho, região de Recife como uma grande historia de existência e resistência, com seus terreiros, maracatus, poetas marginais, artistas de diversas áreas, o alto nos entregava a cada esquina, cruzamento e beco uma surpresa. Esse é um elemento característico, pois o bairro não tem uma praça larga, espaço aberto iluminado, no entanto essa circunstancia nos empurrou, ou melhor, empurrou o festival para densidade e o desequilíbrio da rua, da passagem dos carros, das gentes, das coisas.
E foi numas dessas surpresas das ladeiras e becos que o “Boi as Avessas” nos esperava e nos encontrava, já que também a comunidade naquele momento já nos acompanhava em nossa desbravamento de uma geografia heterogênea. Em que a cada andada  reconhecia-se o alto de muitos outros altos pelo Brasil.
Curiosamente naquela esquina aonde íamos daqui a um pouco, no espetáculo, devassar as brincadeiras populares de Pernambuco através do “ O Boi as Avessas”, havia uma quitanda, boteco, já cheio de moradores, rindo, conversando, brincando, tudo isso fazia parecer que aquele espaço aparentemente não suportaria o cortejo, a comunidade e o espetáculo, no entanto, novamente a rua, o espaço público, o espaço aberto nos jogou na possibilidade do impossível, e assim fomos nos arrumando, cedendo, ajeitando, espremendo e por fim uma roda-viela, uma roda-beco fez o boi brincar, abriu espaço para a catirina novamente rememorar seu infinito desejo de desafiar, seu infinito desejo de desejar algo.





Catirina no espetáculo “O Boi as Avessas” queria à língua do potente e singular velho dengoso figura marcante do Pastoril pernambucano. E assim Mateus era levado há uma caminhada para os diversos brincantes da cultura, pois se o velho dengoso não podia dar sua língua, pela eminente extinção de sua brincadeira nas ruas de terreiros de Pernambuco, ele ia atrás da língua do caboco de lança, do vaqueiro e tantos outros brincadores. Mateus nos conduzia por aquele busca incessante de realizar um desejo que era nosso próprio desejo, era nossa redescoberta.
Nesse contexto o grupo nos jogava nas contradições, desafios e labuta de nossa arte brincadora. Nos jogava na critica aos editais, em que certo momento da cena foi satirizado com uma pequena melodia “editais é de tais, tais, tais”. O espetáculo brincava, questionava, esbravejava a metáfora real dos salteadores da nossa subjetividade, dos mercenários do que Amir Haddad cita como “não posso vender minha subjetividade”. Ou em outra poesia também citada durante o 32° Escambo “Quanto vale minha arte, quanto?”.
Nesse sentido, a sempre conhecida, porém misteriosa, encantada e simbólica historia do desejo de catita por uma língua, estando ela grávida, cheia da vida e da força que todo brincante, que toda arte popular carrega, era o pano de fundo para desafiar. Para denunciar a mercantilização de nossas cores (cordão azul X cordão encarnado), o desfalecimento do Pastoril frente à tentativa de existir como arte e não como mercadoria. O velho dengoso nos transmite sua mensagem de reviver a cada momento de brincadeira nossa existência-arte, nossa arte de existir, pois “quanto vale minha arte, quanto?”.

Raquel Franco
9° FESTIVAL DE TEATRO DE RUA DO RECIFE

ESPETÁCULO "AVE RUA, CHAPÉU E GARGALHADAS"  CIRCO ALÉM DA LONA-SP

E foi assim, alem da lona, alem do picadeiro, alem, que assistindo o espetáculo “Ave Rua...” fui transportada para minha ancestralidade das artes de rua, dos fanfarrões, dos saltimbancos, dos artistas de rua das feiras medievais. No sol queimando todos os miolos nos reunimos naquela roda para alem da lona, indo parar na ilha do Maruim; lá vinha o palhaço na perna de pau cantando, brincando e as crianças boquiabertas com suas faces extasiadas de ver naquele espaço uma raridade daquela, sim, porque poucas são as vezes que o teatro, o circo vai parar naquelas comunidades.


Fundada a beira de uma praia que há muitos anos foi à base dos surfistas da cidade, a Ilha do Maruim fica da cidade de Olinda-Pe a beira mar, no entanto nem a vista do mar a comunidade tem, pois ergueram uma muralha à frente, tiraram a bela vista.
Entres saltos, piruetas, equilíbrio mão a mão, eu via aqueles artistas recuperar num salto de simplicidade o espaço memória de um dos inícios de nossas brincadeiras de rua, de nossa estética de rua, suas costas empoeiradas pelo chão não asfaltado da rua do maruim imprimia em seus corpos uma autenticidade ainda maior. Era ali naquele picadeiro de terra de areia, naquela lona de sol-quentura que íamos alem...
Acredito que completaria essa imagem memória do saltins medievais, a derradeira hora de passar o chapéu que os artistas optaram por não passar, mas que penso completaria essa Ave Rua. Esperei porém o chapéu não veio, talvez o sol perambulando na cabeça do artista, deixa meio zonzo o palhaço, já zonzo por natureza.
Afinal o circo se assentou naquele cruzamento da Ilha do Maruim, e eu novamente tive a certezas da profundidade da nossa arte de rua, ela recupera nossas memórias coletivas e transpõe para cada um a possibilidade da superação, do Alem. Ave rua, Ave gargalhadas, Ave chapéus!Ave!Ave!


https://www.facebook.com/circoalemdalona?fref=ts

Raquel Franco

Registro da apresentação do Grupo Cafuringa no Bairro de Santo Amaro-Recife/PE

"Cafuringa não morreu ele encantou-se"


 Logo na chegada a rua, que inclusive foi à rua onde residiu o artista popular cafuringa, já me sentir acolhida e também animada com o som vivo da população que se remexia para a formação da roda, sem dúvida, plateia animadíssima e variada, com crianças, jovens, idosos, homens, mulheres, e principalmente, uma convidada de cabelos brancos, serenamente sentada em um banco de madeira, era a mãe do artista, a mãe da inspiração para a cena, a mãe de cafuringa. Como seria á vida desse artista? Como acontecia seu dia- dia de artista popular, ganhando a vida nas ruas de Pernambuco? Vendendo sua formulas, pomadas, brincando com seus bonecos, fazendo arte para trabalhadores como ele, que cotidianamente vão e vem nas suas batalhas diárias para comer, vestir, morar, viver.
O Espetáculo “Cafuringa” versa sobre batalha também, artistas-trabalhadores que tem seus salários enlaçados com o chapéu aberto na roda de rua, é um trabalho-brincadeira que alimenta muitas bocas. E assim começa o trabalho-brincadeira do artista cafuringa, levado a cena pelo ator Luís Chaves, os outros atores do grupo dão vida a alguns bonecos brincantes do artista. No espetáculo, cafuringa personaliza um sujeito deslizando entre o sério e o irônico, já seus bonecos são mais cômicos, grotescos, arremedeiros, burlescos. Cafuringa aparece como o operário da arte, militante das ruas, que ensina como resistir e existir; e através de seus bonecos grita sua condição, todavia também sussurra e encanta com sua ludicidade, desperta nas brincadeiras, músicas, sons e cores de sua arte. Assim, o espetáculo joga com antagonismos: dor e alegria, luta e paz, vida e morte. Também a palavra é um elemento forte, a palavra que é poder e lei e que proíbe o artista cafuringa de mostrar sua arte nas praças, também sua palavra, voz de ventríloquo, ambulante, operário-artista, curandeiro popular e negro, que incita, luta, questiona, provoca. Assim como as palavras ditas pelos palhaçeiros que o acompanham, que trazem o repertório cômico, a fala aberta e corpóreo-gestual do grotesco, citada por Bakhtin com o “vocabulário da praça pública”, que se expressam em gestos, sensações, sonoridades, cheiro e emoções. Essa proximidade, essa transgressão da palavra (escrita, sentida e corporal) o despudor, a sensualidade e atração, que emanavam de seus bonecos, piadas, produtos e criação, geraram a violência, perseguição e controle para com sua arte.



A proposta do espetáculo, pelo menos nessa apresentação foi o uso do semicírculo, com caixas baús espalhas no espaço cênico de onde saem materiais, bonecos, elementos; e também convertidas em praticáveis, para elevação do plano de cena. A música é dramaturgia, nos vai conduzindo para desvelar o universo de brincadeiras e luta do artista cafuringa. E nesse caminho, vamos rememorando seus números, habilidades, coisas de cafuringa. Imaginava eu, como ele seria ainda vivo? Seu porte, tom de voz, jeito? O espetáculo brinca também com nossa saudade, trama a trama fui me revoltando e querendo lutar com ele nosso embate pala arte, pela liberdade em mani-festar nosso trabalho-brinquedo.
 Ao final a saga do artista popular se finda no bairro do santo amaro-recife-pernambuco, e seus bonecos que muito riram por vida choram sua morte, mas Cafuringa não morreu, ele encantou-se, navega guerreiro em cima de sua cobra -serpente, alimentando de luz e sonhos, nossa arte pública.



Raquel Franco

https://www.facebook.com/grupocafuringa/?ref=br_rs
Texto de registro da apresentação do “O Cuscuz Fedegoso” / grupo Buraco do Oráculo - SP durante o X Festival de Teatro de Rua do Recife


 “Uma ajuda senhor, uma ajuda senhor”... A Rua é o teatro e o Teatro é a rua - assim pensei quando entra em cena o mendigo–malandro- faminto do espetáculo “O Cuscuz Fedegoso” do grupo paulistano Buraco do Oráculo. - Eles estão falando da rua, das coisas das ruas, da vida artéria das ruas, da fome das ruas; cheiros, boca, bunda, comida, doença, morte, burla e esperteza, é o compêndio de diversidades que são as ruas. A estética do espetáculo traz diversas construções da natureza da criação espetacular das ruas, elementos do que poderia chamar de “espetacularidade de rua”. Os personagens, por exemplo, trazem em seus corpos, figurinos, trejeitos e fala, características da bufonaria. São protuberâncias, falos, erotismos, sensualidades e sexualidades, fome e desejo. Não é um tipo apenas de linhagem bufonesca, mas várias, perceptíveis na astúcia; no entanto, e acho que esse é o maior ganho do trabalho, é uma bufonaria com fazer e olhar contemporâneos. Os bufões são seres urbanos, leva de criaturas marginais que habitam as cidades, fruto dos excrementos sócio políticos que ela produz, todavia nos projetam a visão da potência transformadora e visceral que mina da dor, exclusão e necessidades (materiais e afetivas de todos os tipos), possibilitada por que eles sublimam e mostram um mosaico de liberdades, união, eloquência e abundância de força e vida. No espetáculo são bandos das urbes atual, espalhados entre nós, muitas vezes somos nós. Foi essa identificação talvez, que trouxe “Maria” para a cena do cuscuz. Logo no inicio do espetáculo entra em cena duas pessoas na roda, um homem e uma mulher, eles não eram do elenco, mas passaram a ser. Tanto, que não sei como o cuscuz será sem “Maria”. O homem interagiu, brincou, divertiu-se e saiu dando adeus ao mundo dentro do outro mundo maior, porém Maria (e esse foi um nome fictício que a mesma ganhou como nova personagem do espetáculo) ela ficou e brincou, Maria trouxe e viveu seu mundo de becos, ruas, desejos, fome, erotismo e dor, compartilhando essa vivência. Instaurou-se o caos, bendito seja o caos, no já preparado e temperado cuscuz fedegoso. Inicialmente os atores tiveram um ritual de passagem, hesitaram e temeram, pois estavam à beira do precipício que Maria escancaradamente queria lança-los, mas para nossa alegria e deleite, eles se jogaram no abismo e voaram como um bando, uns deram voos rasantes, lindos de ver, outros, mais timidamente ensaiavam suas asas abertas na aventura e imprevisibilidade que se apresenta o teatro de rua. No cenário, alguns apetrechos e quinquilharias utilizados nas cenas, remeteram a influencia do barroco popular, misturado a plasticidade convulsiva e emaranhada do artista Bispo do Rosário. Perceptível pela deformidade, cores, arabescos, detalhes, miniaturas, colagens e fragmentos. É uma plasticidade preenchida, que enche nossos olhos, provocando atração, mas também medo e repulsa. É um espetáculo que dialoga sobre os desejos da natureza humana, as necessidades básicas da vida - a fome, sexo, saúde, a sobrevivência e existência. E toma para si a zombaria, ironia, escárnio, burla. Cada vez que o cuscuz se misturar as ruas, vai ficando mais apetitoso, tomando o rumo de reencontro com sua estética, podendo então mais exalar, desnudar e fazer o público deleita-se. Um dia antes na Praça da Mustardinha, bairro do Recife, foi realizado apresentação do espetáculo, no entanto o cuscuz só “fedegou-se” na Praça do Diário, centro efervescente da capital pernambucana. Nessa apresentação entrelaçaram-se estéticas e estéticas, onde a rua com seu emaranhado de seres, imagens, força e imprevisibilidade atacou o cuscuz, temperou a seu modo e comeu até o último farelo amarelado, muitas vezes cuspindo-o de volta em outras receitas e sutilezas.

 Olinda, 18 de dezembro de 2013. Raquel Franco, Atriz, Palhaça, Historiadora, Mestre em Artes Cênicas, integrante da Trupe Circuluz
Registro da apresentação do Grupo de Teatro Drão - PE com o espetáculo A quase morte de Zé Malandro durante do X Festival de Teatro de Rua do Recife. O Grupo de Teatro Drão - Pe, apresentou na Praça do Diário “A quase morte de Zé Malandro, sujeito imaginário e real contraditoriamente, seria ele da linhagem dos malasartes, chicos, bastiões, entre outros. É também um homem desses comuns que encontramos nas vielas e esquinas das cidades, com seus baralhos, rinhas ou dominós, ele joga sua sorte ou infortúnio, pobreza, falta de perspectiva, educação, trabalho e mais e mais... Por isso torcemos pelo Zé, quisera ser ele e ter poderes místicos para burla e subjugar a morte-miséria que vem com o diabo-capital. Sistema que como no espetáculo vem enfeitada, cheirosa, atraente nos chamando para bailar a dança da mentira e exploração; levando-nos em seus braços para mais infortúnios... Por isso torcemos pelo Zé, quisera todos nós ter a mesma astucia marginal que se aprende nas ruas, que se aprende da vida calejada de não ter trabalho, comida, casa, escola, mais e mais... O Drão tenta reunir e aproximar o cavalo marinho da encenação, no inicio do espetáculo os atores fazem a dança dos arcos, como uma espécie de chamada ou chegança. Todavia a brincadeira do cavalo marinho pode invadir mais a brincadeira Drao, Zé malandro pode ser um fragmento do universo teatral popular presente na brincadeira, onde ele possa realizar um mergulhão corpóreo espacial nos bastiões e mateus. Assim, captando mais instabilidade, malandragem, desordem, inconstância e festividade, elementos próprios dessas figuras; vindo a ser a força matriz da corporeidade social de Zé Malandro, mesmo velho e de bengala. O grupo tem repertório e pesquisa suficiente nesse campo, para executar essa dança de encontro mais visceral com a brincadeira. Assim como no cavalo Marinho, os personagens também passeiam entre o místico e o real; Zé malandro, a velha, o diabo, a morte, o santo, são figuras do imaginário nordestino. E como também tem o cantador no cavalo marinho, que costura a entrada dos brincadores; no espetáculo o grupo utiliza uma narradora, que é uma interlocutora com o público, conta a saga do Zé, canta a entrada nos personagens. Nesse sentido, os atores ainda precisam buscar seu brincante interior, e assim construir seu trupé pessoal, dançando, cantando, girando, brincando. Zé malandro e a narradora, já dão seus passos nessa construção. Até porque, a apresentação do espetáculo contou com a riqueza musical do mestre Ulisses Cangaia, brincante de cavalo marinho, que encheu de mais vida as peripécias de Zé Malandro, ressoando no som sertanejo e en-cantador da sua rabeca. O Público da Praça do Diário, assistia torcendo, vibrando, rindo e brincando com a zombaria, enganação, malandragem e esperteza de Zé. Premiado com poderes místicos porque no seu caminho passou a sorte, sorte de malandro; uma velha bruxa, feiticeira, andarilha de estradas, que dotou Zé de encantos mágicos para ludibriar inimigos. É um sujeito desses tão “malacubaco”, “malassombro”, sagaz, que por não ter nada foi lhe ensinado tudo. Quisera todos nós, sendo dessa natureza quem nem o diabo quer... Pois mesmo com todas as tentativas para não morrer, lutando, resistindo e existindo na vida de batalha que todos vivemos, o malandro cai, tomba, no entanto, em sua (des)indetidade ele não é bem vindo em lugar algum, e teimosamente habita todos os lugares. Zé malando nosso anti- herói, brincador de façanhas imaginárias, ganhador de todas as batalhas que nós desejosamente queríamos ganhar ao menos uma vez no cotidiano. Olinda, 19 de dezembro de 2013. Raquel Franco, Historiadora, Mestre em Artes Cênicas Atriz e Palhaçada na Trupe Circuluz Cia de Artes.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CIRCULUZ BRINCANTE NO FESTIVAL DE TEATRO DE GURAMIRANGA

Continuamos em nossa jornada pelas estradas do Brasil e aportamos no Festival de Teatro de Guaramiranga, onde apresentamos o espetáculo, conhecemos outros grupos e trabalhos, trocamos experiencias e arte.


FOTOS DE ZÉLIA UCHOA